
- Nº 1679 (2006/02/2)
4 de Fevereiro de 1961 - Angola
Grito lancinante na<br>noite secular do colonialismo
Internacional
Na madrugada de 4 de Fevereiro, alguns grupos de patriotas angolanos sob a orientação de Neves Bendinha, Paiva Domingos da Silva, Domingos Manuel Mateus e Imperial Santana, dispondo de cerca de 200 homens empunhando catanas, colocando-se em pontos estratégicos, efectuam várias acções revolucionárias na cidade de Luanda, contra objectivos específicos da estrutura colonial portuguesa. Um primeiro grupo começou por montar uma emboscada a uma patrulha da Polícia Móvel que se deslocava de carro no zona da «Casa Branca» (Sambizanga), tendo eliminado os seus quatro ocupantes, capturam-lhe as armas, descem as barrocas e tentaram tomar de assalto a Casa da Reclusão Militar junto à praia do Bungo (onde se encontravam a maioria dos presos políticos do famigerado “processo dos 50”), no entanto sem êxito.
Outros grupos, atacam simultaneamente, com armas artesanais a cadeia da PIDE no bairro de S. Paulo junto à lagoa (onde hoje fica o Estádio da cidadela), a cadeia da 7ª esquadra da Polícia de Segurança Pública (à estrada de Catete) onde igualmente havia presos, e tentam ainda ocupar a emissora estatal de rádio «Emissora Oficial de Angola», (no bairro dos Correios), junto ao muceque Rangel.
Estas acções revolucionárias, tiveram como principal objectivo libertar os presos políticos do chamado «Processo dos Cinquenta», encarcerados na Casa da Reclusão (e que segundo notícias que circulavam na cidade, iriam ser transferidos para o Campo de Concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde). A juntar a esta necessidade revolucionária, foi tido em linha de conta como factor importantíssimo, o facto de na última semana de Janeiro, terem chegado a Luanda, vindos dos quatro cantos do mundo, numerosos jornalistas interessados na cobertura do sequestro (pelo capitão Henrique Galvão) do paquete «Santa Maria», que se pensava ter a cidade de Luanda como destino final. Havia ainda um factor importante a considerar; tratava-se de dar a conhecer ao mundo o massacre de vinham sendo alvo os camponeses da Baixa de Cassange, que segundo notícias recebidas clandestinamente, estavam a ser mortos aos milhares devido aos bombardeamentos pela aviação militar portuguesa com bombas de napalm.Com tais «ingredientes», houve que aproveitar as condições favoráveis em termos internacionais, o que a não ser assim, retardaria a denúncia da política colonial portuguesa de terra queimada, sabe-se lá por quanto tempo mais.
Na mente dos chefes da acção revolucionária, havia a consciência das poucas ou nulas hipóteses de êxito, mas o momento era excelente para denunciar ao mundo a selvática acção dos colonialistas, daí o aproveitar desta oportunidade única.
Nenhuma das acções foi coroada de êxito. Face à desproporção de meios de combate utilizados; o sangue dos heróicos patriotas angolanos jorrou fartamente nos vários locais de confronto, onde também tombaram vários elementos da estrutura colonial. No fundamental, um dos objectivos fora alcançado com a concretização da denúncia para todo o mundo do sofrimento do povo angolano, através da pena das dezenas de jornalistas presentes na capital da colónia; o preço da ousadia revolucionária foi elevadíssimo pois a revanche dos colonos não se fez esperar, materializando-se num verdadeiro massacre.
Nos dias que se seguiram aos ataques da madrugada de 4 de Fevereiro, verificou-se uma frenética e tresloucada «caça ao homem» em moldes que jamais serão esquecidos pelo povo angolano. Ecoavam por toda a cidade os histéricos gritos de «mata que é turra !, agarra que é Lumumba!, mata esse filho da puta!», transformando-se em imenso inferno os dias e meses que se seguiram à madrugada heróica, tendo por objectivo o extermínio massivo dos miseráveis habitantes dos muceques nos arredores de Luanda.
O dia dos funerais dos agentes da polícia, mortos na emboscada da «Casa Branca», da Sé de Luanda para o cemitério de Sant’ana, foi a primeira grande demonstração dos terríveis dias que se seguiram. Milhares de pessoas de origem europeia, que se concentravam no cemitério e imediações, manipulados por agitadores profissionais, aproveitaram a presença no quintal de uma serração fronteira ao cemitério, onde humildes trabalhadores africanos preparavam a sua magra refeição, para sobre eles (por serem negros, é evidente), descarregarem a sua fúria revanchista e assassina abatendo alguns, que se encontravam desprovidos de qualquer arma que denotasse perigo para o comum dos cidadãos. Na artéria que confinava com a mesma serração, um maximbombo (autocarro) da carreira Baixa-Terra Nova, com lotação esgotada, quando dava entrada na rua do Alentejo, já no bairro da «Terra Nova», é mandado parar e os seus humildes passageiros (negros), são igualmente objecto da sanha criminosa dos racistas que os espancaram até fartar.
Os dias que se seguiram, foram de verdadeiro flagelo. As rusgas, os espancamentos, as correrias, os cadáveres e as valas comum passaram a constituir o dia-a-dia dos negros. De noite as rusgas, de madrugada a abertura das valas para berço das vítimas, de dia a «limpeza selectiva». Ser negro nos dias que se seguiram, era indicativo de candidato a defunto. Os colonos envolvidos na «limpeza étnica», eram bem os dignos seguidores dos que, durante séculos andaram por aquelas paragens a dilatar a «fé e o império». No entanto a canção dos heróis do 4 de Fevereiro, ficou como uma esperança, que a luta acabou por concretizar...«...ivuenu, ivuenu, tuvutuka, dii...» (oiçam, oiçam, voltaremos aqui!). Demoraram quase quinze anos a voltar, mas voltaram, não eles que foram massacrados, mas os seus filhos.
Henrique Mota